Friday, March 5, 2010

"As Perdas ficam Perdidas"


(excerto "278" do livro do desassossego do Fernando Pessoa):

"A maioria dos homens vive com espontaneidade uma vida fictícia e alheia. "A maioria da gente é outra gente", disse Oscar Wilde, e disse bem.

Uns gastam a vida na busca de qualquer coisa que não querem; outros empregam-se na busca do que querem e lhes não serve; outros ainda se perdem nas buscas de vida... Mas a maioria é feliz e goza a vida sem isso valer.

Em geral, o homem chora pouco, e, quando se queixa, é a sua literatura. O pessimismo tem pouca viabilidade como forma democrática. Os que choram o mal do mundo são isolados - não choram senão o próprio.

Um Leopardi, um Antero, não têm amado ou amante? O Universo é um mal.
Um Vigny é um mal ou pouco amado? O Mundo é um cárcere.
Um Chateaubriand sonha mais que o possível? A vida humana é um tédio.
Um Job é coberto de bolhas? A terra está coberta de bolhas.
Pisam os calos do triste? Ai dos pés dos sóis e das estrelas.

Alheia a tudo isto, e chorando só o preciso e no menos tempo que pode - quando lhe morre um filho que esquecerá pelos anos fora, salvo nos aniversários; quando perde dinheiro e chora enquanto não arranja outro, ou se não se adapta ao estado da perda - a humanidade continua DIGERINDO E AMANDO!

A vitalidade recupera e anima. Os mortos ficam enterrados. As perdas ficam perdidas."