Wednesday, May 26, 2010

"A correia" (a poem of mine)


(1)
Ao longe, corre uma bailarina naquele grão de areia: a correia
O vento balança a ponte
deslizas suspiros... aos montes,
num moinho envolta a fonte

(2)
Não há presságio que tranquilize,
este pássaro tem mesmo que partir...
as flores chamam por si: verde, hera... a primavera?
Quantos mais rios vão passar por mim?

(3)
A grade já lá não está, houve um remoinho que a levou...
O Santo morreu, ninguem sabe o que ele pregou?
Não há milagre para mais uma corrente,
presa ao lume, a vagas levantadas correm para poente...
afinal havia lá mais gente

(4)
O Castelo persiste, sem eco nem cheiros
As dores evocam nectares certeiros
A cesta chegou vazia, a roupa levou-a também a ria
E sem moer, temer, amar... naufragar?
Sonho-te para sempre... na minha poesia.


(...or... the 2nd "4"?)
O Castelo persiste, sem eco nem cheiros
As dores evocam nectares certeiros
A cesta chegou vazia, a roupa levou-a também a ria
E sem moer, temer, amar, naufragar... um coração inteiro?
Sonho-te em mim... maresia: para sempre na poesia.


26th of May, 2010

Tuesday, May 25, 2010

"pictures of you" (lyrics by The Cure)



"I've been looking so long, at these pictures of you
That I almost believe they're real
I've been living so long, with my pictures of you
That I almost believe... the pictures are all I can feel

Remembering ...
You... standing quiet in the rain, as I ran to your heart to be near
And we kissed as the sky fell in... holding you close
How I always held close in your fear

Remembering...
You... running soft through the night, you were bigger and brighter and whiter than snow
And screamed at the make-believe... screamed at the sky
And you finally found all your courage... to let it all go

Remembering...
You... fallen into my arms, crying for the death of your heart
You were stone white, so delicate... lost in the cold
You were always so lost... in the dark

Remembering...
You... how you used to be slow drowned
You were angels... so much more than everything
Hold for the last time, then slip away quietly
Open my eyes... but i never see anything

If only I'd thought of the right words, I could have held on to your heart...
If only I'd thought of the right words, I wouldn't be breaking apart... all my pictures of you...

Looking so long... at these pictures of you, but i never hold on to your heart
Looking so long... for the words to be true, but always just breaking apart... my pictures of you...

There was nothing in the world, that I ever wanted more... than to feel you deep in my heart
There was nothing in the world, that I ever wanted more... than to never feel the breaking apart... all my pictures of you..."

Thursday, May 20, 2010

Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa... (a poem by Alvaro Campos)


Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara,
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Exceto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...).

Sinto uma simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando não merece simpatia.
Sim, eu sou também vadio e pedinte,
E sou-o também por minha culpa.

Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:
E' estar ao lado da escala social,
E' não ser adaptável às normas da vida,
'As normas reais ou sentimentais da vida -
Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta,
Não ser pobre a valer, operário explorado,
Não ser doente de uma doença incurável,
Não ser sedento da justiça, ou capitão de cavalaria,
Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas
Que se fartam de letras porque tem razão para chorar lagrimas,
E se revoltam contra a vida social porque tem razão para isso supor.

Não: tudo menos ter razão!
Tudo menos importar-se com a humanidade!
Tudo menos ceder ao humanitarismo!
De que serve uma sensação se ha uma razão exterior a ela?
Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,
Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:
E' ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,
E' ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.
Tudo o mais é estúpido como um Dostoiewski ou um Gorki.
Tudo o mais é ter fome ou não ter o que vestir.

E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente
Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.
Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato,
E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.
Coitado do Álvaro de Campos!
Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!
Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!

Coitado dele, que com lagrimas (autenticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita,
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha olhos tristes por profissão
Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!
Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!
E, sim, coitado dele!

Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam,
Que são pedintes e pedem,
Porque a alma humana é um abismo.
Eu é que sei. Coitado dele!

Que bom poder-me revoltar num comício dentro de minha alma!
Mas até nem parvo sou!
Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.
Não me queiram converter a convicção: sou lúcido!
Já disse: sou lúcido.

Nada de estéticas com coração: sou lúcido.
Merda! Sou lúcido.